Para
começar o Cannes Lions - Festival
Internacional de Criatividade, um puxão de orelhas. A confederação de ONGs
indiana iCONGO enviou um vídeo provocativo aos jurados ironizando as ações “do
bem”que duram somente três meses, todos os anos, coincidentemente até que se
produzam cases para uma certa premiação que tem leão no nome. O filme apresenta
o depoimento/testemunho de supostas pessoas em situação de risco social e
termina com a sugestão de que sejam realizados quatro festivais para que assim
ações do bem consigam ajudar as pessoas durante os 12 meses do ano (link do
vídeo aqui).
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Amir Kassaei põe a mão nas cadeiras |
E para
terminar, quase ali no encerramento do Festival, um sacode geral para os
caçadores de prêmios na palestra de Amir Kassaei (CCO da DDB Worldwide). Em tom eloquente, Kassaei não poupou de jurados a participantes.
Afirmou que a propaganda vai perder a relevância, pois produzimos coisas fora
da realidade para públicos que não existem. O verdadeiro “consumidor”, segundo
ele, não está nem aí para o que a gente cria e entrega, pois a gente não o
conhece e nem se importa com ele (link para o vídeo da palestra aqui).
Isso tudo
me fez parar pra pensar. Afinal, qual é o propósito do Cannes Lions? Os momentos
que descrevi evidenciam duas faces da mesma moeda: o prêmio pelo prêmio. O
prêmio como objetivo final, descolado de todo o resto. Nada mais “nada a ver”
do que isso? Humm, depende. As premiações são apenas uma parte do festival. É a
parte mais importante? Mais uma vez, depende. O Festival de Criatividade engloba muito mais que isso: tem palestras, workshops, debates, encontros/trocas,
networking, benchmarking etc. e é fonte de aprendizado e inspiração para um
sem-número de profissionais que não estão preocupados em vencer na categoria X
ou Y. Ou pelo menos não estão
preocupados apenas com isso. Ou nem mesmo estão concorrendo.
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Gaultier - a passarela |
Cheguei à conclusão de que o Cannes Lions se parece com os desfiles da semana de moda. Já sacou que muitos estilistas apresentam as coleções com roupas, maquiagem e cabelos “impossíveis”?
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Gaultier - a loja |
Só que pode ser simplista
demais – ou ingênuo – concluir que tudo é incompreensível e inútil, pois
“ninguém vai usar isso”. Já experimentou depois ir à loja daquela marca do
desfile impossível? Talvez até encontre aquela peça da passarela, mas ela
estará decorando a vitrine ou lá no fundo da loja. Ali nas prateleiras e araras,
para o consumidor real, haverá várias outras peças que são desdobramentos mais “usáveis” daquela coleção. Inclusive em termos
de preço. O desfile serviu para passar um conceito. O recado foi dado no
sentido de criar a identificação do consumidor com a “atitude” de uma determinada
marca. Cavalli é uma vibe, Prada é outra, e por aí vai. Com as premiações de Cannes sinto que a coisa
vai um pouco por aí. A gente vê pouca coisa “usável” no dia-a-dia das agências
e seus clientes e consumidores reais? Ok, mas sinceramente me parece que as
agências nem sempre têm prioritariamente
a preocupação/intenção de que aquilo seja aplicável no dia-a-dia. A intenção
pode ser dar um recado do que são capazes, da vibe da agência, de até onde uma
ideia pode chegar. E quem sabe daí
motivar seus clientes a se permitir arriscar mais. Ou a atrair prospects. Sem
contar na divulgação em mídia do seu trabalho, sua marca, seu nome. E dos seus
clientes, claro!
Mas isso é
bom ou é ruim? Depende. Se você, como eu, odeia fantasmas (ainda vou escrever
um post só sobre isso), pode ficar desconfiado e desconfortável com muito do
que se vê por lá. Se você, como eu, não está nem aí para prêmio, tem a opção de
focar no que o Festival traz de bom e inspirador nas inúmeras atividades paralelas.
Enfim, eu
diria que a discussão é boa, mas depende sempre do que se quer do Festival. E
depende do que você quer para a sua vida ou sua carreira de profissional de
propaganda.
Não acho
que o propósito do Cannes Lions é “tornar o mundo melhor” (será que isso compete ao Rock in Rio? ;) ) É verdade que o Cannes Lions tem se esforçado para
criar significados mais politicamente corretos, acrescentando categorias que
favoreçam a o empoderamento das mulheres e premiando campanhas
“do bem”. Isso pega superbem hoje em dia, E, mais que isso, utilizar a criatividade em prol de algo realmente valioso para o mundo é uma obrigação nossa. Claro que isso é um trabalho bem mais profundo, que deve começar dentro das empresas-anunciantes e dentro das agências de forma muito, muito verdadeira. O Festival de Cannes nunca deveria contribuir para o desvio de um objetivo que precisa ser verdadeiro transformando-o numa via para simplesmente se ganhar um prêmio. Claro que não dá pra forçar a barra. Na vida real, fingir que uma empresa apóia causas é inconsequente. Também não cola uma empresa que faz campanha politicamente correta e trata pessimamente seus funcionários e desperdiça recursos, numa interpretação canhestra do que significa mesmo respeitar o meio ambiente.
Mas pensando sobre o
lado positivo, tudo pode valer a pena. Produzir uma peça politicamente correta para concorrer vale, no
mínimo, como exercício para abrir a cabeça. Torço por isso. Quem trabalha em agência sabe o
quanto se discute e se pesquisa antes de se chegar àquela “ideia simples” final.
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Leica - celebração emocionante |
E falando em premiações, afinal, não vamos nos esquecer que o Brasil ganhou pela
primeira vez o Grand Prix de film com o belíssimo “100”, da F/Nazca para a
Leica. Aí você pergunta: mas o que isso
significa para mim, pra você, para a propaganda, para o mundo? Bom, você
decide. Pense a respeito. Ou esqueça e siga a sua vida.