8 de março de 2016

Atendimento - Mulheres no Poder?

Se há um departamento nas agências que congrega um número expressivo de mulheres, esse é Atendimento. Mas nem sempre isso foi assim. Quem assistiu à série Mad Men, da HBO, sobre o cotidiano de uma agência na Nova Iorque dos anos 60, pode observar que não havia simplesmente mulheres no Atendimento (aliás, elas só estavam por ali como secretárias, telefonistas, copeiras). Hoje estamos em maioria, pode verificar em qualquer agência.

Já ouvi muitas coisas por aí que “explicam” o fato de sermos maioria no Atendimento como quase que óbvio. Afinal, dizem, mulher é mais detalhista, colaborativa, paciente, flexível, organizada. Essas “qualidades intrínsecas” as fariam mais capacitadas, a priori, para a função de Atendimento. Quando ouço essas explicações sinto um certo incômodo, confesso. Isso me soa estereotipado demais, simples demais, reduzido demais. Principalmente quando observo que para uma grande proporção de mulheres executando as tarefas do dia-a-dia do Atendimento existe uma parcela reduzida de homens, esses sim, em postos de alto comando. São os Diretores de Atendimento, os VPs de Atendimento. E os donos das agências.

Já faz um tempo, mais precisamente em 24 de janeiro de 2001, que a revista Exame trouxe como matéria de capa uma provocação: “Até Onde as Mulheres Conseguem Chegar”. Dentre dados, questões, discussões etc., o que me marcou na matéria foi o comentário sobre um livro do sociólogo alemão Reinhard Kreissl (que infelizmente não tem tradução para o inglês nem para o português). O sociólogo questiona os tão alardeados “avanços femininos”, pois observa que as áreas onde as mulheres têm conquistado espaço são justamente aquelas onde o poder se esvaiu. Na Europa, mulheres chegaram ao Parlamento coincidentemente quando o poder da classe política diminuiu como um todo. Também chegaram à universidade, mas ela já não oferecia as mesmas vantagens de antigamente, como status e garantia de emprego. Se formos transportar isso para o universo das agências, vemos que também houve perda de prestígio do Atendimento, a partir da década de 70, crescendo na década de 80, e refletindo- se ainda na década de 90. Justamente quando mais e mais mulheres assumiram postos nesse departamento. E há outro aspecto que também bate com o que tenho observado quando penso nos departamentos de Atendimento das agências: as mulheres vêm ocupando níveis médios de gerência corporativa e são justamente esses postos que mais perdem prestígio e importância nessa nossa época de downsizings e reengenharias. Coincidência ou não, é lá que estamos a maioria de nós hoje. Assistentes, Executivas, Coordenadoras, Supervisoras, Gestoras. OK, conseguimos chegar até os cargos de Diretoras de Contas. Mas Diretoras de Atendimento, VPs de Atendimento...bom, aí é outra história. E as exceções confirmam a regra.

Isso tudo para não discorrer sobre o velho "hábito" de se pagar menos às mulheres do que aos homens, mesmo que a gente exerça a mesma função. E essa história vai longe, pois a projeção da Organização Internacional do Trabalho – OIT é de que chegaremos à igualdade com os homens daqui a mais ou menos 450 anos.

Bom, não quero falar sobre isso tudo para causar revolta, para levantar bandeiras. Em vez disso eu proponho a seguinte questão: será que é por aí que a gente deve concentrar nossa energia? Creio que não. O papel da mulher e suas escolhas passa por outros caminhos. Pode até ser que não sejamos ou estejamos preparadas para o poder. Mas quem disse que estamos interessadas no poder? Em que poder? Nesse poder que faz com que ser mãe seja padecer no escritório? Que estabelece triplas jornadas? Que nos faz ter que nos superar a cada dia para provar que merecemos um aumento? Que nos torna solitárias?

E para não terminar esse post parecendo que estraguei a festa, quero prestar uma homenagem a Hilda Ulbrich Schutzer, a primeira mulher a se tornar presidente de uma agência no Brasil (no início da década de 80, na CBBA). Hilda Schutzer também era Atendimento. Uma mulher incrível que foi lá e fez. Se você quiser saber mais sobre ela, leia a entrevista (texto), realizada em 2004 para a Associação Brasileira de Propaganda (ABP).

E termino por aqui com as palavras de Hilda:
“Se você é uma publicitária, seja uma publicitária séria. Leve as coisas como têm que ser levadas, faça o trabalho que precisa ser feito. Respeite o seu meio, respeite o seu direito, respeite aquilo que você fala e aquilo que você conduz”.