Publicada no Meio & Mensagem de 11/06/07. Entrevista concedida ao repórter Alexandre Zaghi Lemos. Vale a pena conferir.
Incomodar com pertinência
Atuando há 17 anos no atendimento de agências, Gal Barradas acredita que esta área é hoje mais imprescindível do que nunca. Mesmo tendo cursado administração de empresas, seu sonho sempre foi lidar com propaganda, no contato direto com clientes. Gal começou a carreira em Salvador, na DM9, mas pouco depois a interrompeu para fazer pós-graduação em Semiótica da Publicidade, em Paris. De volta à Bahia, integrou a equipe da Idéia3 antes de aceitar o convite de Duda Mendonça para trabalhar com marketing político em São Paulo, onde passou ainda por W/Brasil e AgênciaClick. Há sete anos está na F/Nazca S&S, sendo atualmente uma das três diretoras de atendimento da casa.
Meio&Mensagem — Qual sua análise sobre a evolução recente da atividade de atendimento nas agências brasileiras?
Gal Barradas — Houve uma evolução no papel das agências de publicidade em todo o mundo, não só no Brasil. A área de atendimento acompanhou a nova dinâmica. Atuamos hoje em um mercado muito mais complexo. Até 20 anos atrás, tínhamos no País um grande canal de TV aberta, uma grande revista semanal e as classes A e B como principais faixas consumidoras. Entretanto, dos anos 90 para os dias atuais tudo mudou numa velocidade assustadora. Passamos a trabalhar com maior diversidade de mídias e com novos perfis de públicos consumidores, com várias estratificações por apelo de consumo, segmentados não somente por classes sociais. Além disso, hoje as marcas se comunicam com seus consumidores não só como indivíduos, mas também como grupos. O público cobra da marca não só um melhor resultado dos produtos, como também se a empresa é ecologicamente correta e se tem responsabilidade social.
M&M — Nesse novo cenário, qual o papel da área de atendimento?
Gal — Para explicar o posicionamento atual do atendimento, faço um paralelo com a República do Panamá, que se apresenta como o Hub das Américas. O país enfrentou seus problemas financeiros nos últimos dez anos desenvolvendo logística de passageiros e de cargas para todas as Américas, ganhando as funções de centralizar e distribuir. A diferença em relação ao papel do atendimento é que a nossa função não tem somente a simplicidade de entregar uma pessoa ou alguma coisa. O atendimento é o hub com inteligência. Temos de compreender um mundo de demandas e ser distribuidores de muitas soluções.
M&M—A função de atendimento ganhou importância nos projetos de comunicação?
Gal — Sim. A maior complexidade deu mais importância ao atendimento. Há 20 anos o mercado era muito mais simples, conseqüentemente a nossa atividade também. Na década de 80, o papel transformador de entregar ao cliente um trabalho diferenciado foi dado à criação, que liderou a grande revolução pela qual passou o nosso mercado. Naquela época, o trabalho do atendimento era muito mais voltado aos assuntos internos e, vez por outra, às áreas de negócios e prospecção. Não existia a visão holística de hoje. Pensava-se muito em propaganda, mas pouco na marca. Naquele momento havia muita acomodação dos profissionais de atendimento. Eu vivi uma época em que se dizia: "Faz o pedido aí que a criação resolve". Hoje considero essa postura inadmissível.
M&M - Qual é a postura correta?
Gal — Não suporto atendimento ruim. Para exercer o papel de atendimento o profissional precisa ter algumas características fundamentais: caráter empreendedor, capacidade de persuasão e estabilidade emocional, pois vai lidar com uma cadeia produtiva enorme, administrar conflitos e interesses. Também é preciso manter sempre acesa a chama da automotivação, que passa pela auto-estima, pela valorização do trabalho que está sendo feito e pela capacidade de engajar no projeto todas as equipes internas. Além disso, uma boa formação acadêmica e humanística ajuda a pensar, raciocinar e organizar idéias. Tem uma frase do David Ogilvy sobre diretores de atendimento que acho sensacional: "Este não é um lugar para mediocridades assustadas e preguiçosas". Ter atitude é fundamental. O nosso papel é incomodar com pertinência. Incomodar criativamente. Da mesma forma que hoje é inadmissível que um criativo não compreenda o negócio do cliente, é inadmissível que um atendimento não pense criativamente.
M&M — O atendimento deve, então, ir muito além de atender?
Gal — Claro. Todo mundo na agência tem de atender o cliente, por isso eu não gosto do nome atendimento. Essa designação é infeliz, deveríamos chamar de departamento de integração.
M&M — Para manter-se na profissão, é fundamental que esse profissional cultive um bom relacionamento pessoal com os executivos do cliente?
Gal — É imprescindível. A palavra que resume um bom relacionamento entre o executivo de atendimento e o de marketing é confiança. Apesar de eu não gostar muito da definição, há uma frase que diz que "o atendimento é o cliente dentro da agência". E, se é assim, para que isso ocorra, a confiança é tudo.
M&M — O que há de errado nessa definição?
Gal — Falta um complemento, pois o cliente não pode ser satisfeito só porque o estamos representando dentro da agência. Ele tem de ser satisfeito porque dizemos não, orientamos, discutimos, propomos e agregamos valor à sua comunicação. E isso é mais do que representá-lo dentro da agência.
M&M — Houve uma mudança de comportamento da criação e dos outros departamentos da agência em relação ao pessoal do atendimento?
Gal — Eles não vão mudar só porque o atendimento é mais legal. O profissional de atendimento é quem precisa mudar, se fazer necessário e mostrar que pode contribuir. Conclamo os profissionais de atendimento a mudar de postura. O mercado hoje é absolutamente propício ao desenvolvimento das nossas habilidades.
M&M — Para a área de atendimento, ter a mídia dentro da agência, como ocorre no modelo brasileiro, é mais produtivo?
Gal — É. O trabalho interno da agência está apoiado mais fortemente em dois pilares: o pensamento estratégico e a entrega. E a nossa mídia trabalha muito focada nesses dois pontos. Sei de agências no exterior que não têm a área dentro de casa, mas já contratam pessoas só para pensar mídia estrategicamente antes de partir para a compra dos espaços de veiculação.
M&M — O aumento da força do cliente e a conseqüente maior influência dele nos processos de planejamento, criação e mídia têm tolhido idéias mais arrojadas das agências?
Gal — Não, pelo contrário, acho que ajuda. O profissional de marketing, além de cuidar da comunicação, tem uma série de atividades dentro da empresa, envolvendo o produto, a distribuição, a embalagem. Seu escopo de atuação é gigante. À medida que procura conhecer mais e estar mais próximo da dinâmica de trabalho das agências, ele nos ajuda. É muito mais fácil manter uma interlocução com o cliente que entende do nosso negócio e discute de igual para igual do que com aquele para o qual temos de explicar tudo o tempo todo. O cliente mais próximo aceita mais do que recusa, ao contrário do que se pode imaginar.
M&M — A tão propalada "juniorização" nas áreas de marketing dos anunciantes atrapalha o trabalho do atendimento?
Gal— Já foi pior. Hoje há uma rotatividade menor nos departamentos de marketing do que havia antes. As empresas estão trabalhando para dotar esses profissionais de conhecimento. A permanência maior nos cargos é importante para manter o histórico de comunicação da marca. O que levou as companhias à juniorização foi basicamente uma questão de custos. Normalmente são pessoas jovens, que chegam com a alegação de terem novas idéias, mente aberta, sem vícios. Não tenho nada contra o jovem, o problema é colocá-lo em um cargo para o qual ele não está preparado. Aí é prejuízo, pois ele geralmente não sabe dizer não ao chefe, não sabe contra-argumentar e, por insegurança, exerce a força do cargo. É danoso para ambas as partes: anunciante e agência.
M&M — Como está o trabalho do grupo formado pelos profissionais de atendimento no âmbito da Associação dos Profissionais de Propaganda (APP)
Gal — Temos feito reuniões mensais. Estamos aproveitando a dinâmica da APP para destacar a área de atendimento, pois nossa atividade não tem muito espaço no mercado. Neste ano vou coordenar o curso de atendimento oferecido pela entidade. Além disso, teremos atividades relacionadas ao tema no FesfUp (Festival Universitário de Propaganda}. Também pretendemos contratar um instituto de pesquisa para desenvolver um levantamento com executivos de agências de São Paulo, a fim de saber qual o diagnóstico atual do mercado sobre o trabalho da área de atendimento. Um dos problemas que nos motivou a formar esse grupo de trabalho é o fato de as principais faculdades de publicidade não terem a cadeira de atendimento. Não sabemos se a culpa é dos profissionais da área, do mercado ou das faculdades. A questão é que há uma legião de profissionais que não tiveram instrução a respeito da função que exercem. Com isso, mesmo quem já está no mercado continua carente de informações. Daí o foco do curso que ministrarei na APP ser a reciclagem dos profissionais que já estão atuando em agências.
M&M — Se não aprendem sobre a função na faculdade, como os profissionais são fisgados pela área de atendimento?
Gal — As pessoas aprendem na marra. Quando os estudantes batem na porta das agências pedindo estágios, geralmente são encaminhados para a área de atendimento, que é generalista. Ali eles vão aprender um pouco sobre cada um dos departamentos da agência. Se demonstram talento ou habilidade, são encaminhados para outras áreas ou mantidos no atendimento.
M&M — Há necessidade de formação de uma entidade específica dos profissionais de atendimento, como têm os mídias e os planejadores?
Gal — É um caminho possível. O Grupo de Mídia também nasceu dentro da APP.
M&M — Na sua visão, quais são os próximos passos a serem dados pela área de atendimento?
Gal — Os profissionais de atendimento precisam ter consciência de que este é o nosso momento. Todos nós queremos que a agência recupere o seu real valor na construção e no posicionamento das marcas. No futuro as agências voltarão a ter o papel principal de entendedor da dinâmica de branding e distribuidor das soluções de comunicação para o cliente. Nesse cenário, os profissionais de atendimento terão de se transformar em estrategistas da informação. Teremos de compreender as informações que chegam à agência e as orientações mais relevantes dos clientes e utilizá-las para fazer a integração não só entre todos os departamentos da agência, mas também com as outras disciplinas de comunicação.
M&M — Quem propagou a morte do departamento de atendimento errou?
Gal — Não é verdade que seja uma tendência internacional a extinção do atendimento, como disseram algumas agências brasileiras ao pregar o fim da nossa atividade, há algum tempo. Tanto é assim que todas as grandes agências internacionais têm departamentos de atendimento. O que existe são empresas especializadas, em criação ou planejamento, por exemplo, que prescindem da figura do atendimento. Agências que se propõem a pensar a marca do cliente, na sua totalidade, nas suas diferentes maneiras de expressão, não podem abrir mão do atendimento.
Um comentário:
Sei que o texto é antigo, mas só agora tomei conhecimento dele.
Já tive a oportunidade de trabalhar com a Gal em um projeto do Unibanco, quando eu estive na Ana Couto Branding.
Posso dizer que ela tem total razão no que diz e que levo o pensamento dela sempre comigo: sejamos atendimentos estratégicos...
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