18 de fevereiro de 2008

Aprovar Uma Campanha Pode Ser Uma Aventura

Uma das situações com as quais a gente acaba se deparando no exercício da profissão é ter que lidar com clientes que não estão capacitados a julgar e opinar criticamente sobre projetos de comunicação. Um dos erros mais constantes deste tipo de situação é aquele em que quem opina julga uma peça com base em seu gosto pessoal e o seu entendimento, não levando em consideração que tudo o que se faz em comunicação deve ser pensado em relação ao seu público-alvo, ao consumidor. Ou aqueles que, a fim de não se comprometerem com o desfecho da aprovação ou reprovação, passam a bola, solicitando a opinião de tudo quanto é colega dentro da empresa, pessoas que nunca trabalharam na área, dificultando ainda mais o processo de apresentação e de aprovação (ou não) de uma campanha. Alguns trabalhos primorosos são sumariamente descartados em função deste despreparo.

E há casos folclóricos, como o descrito abaixo por Fernando Quinteiro, sócio e diretor de planejamento e atendimento da agência FabraQuinteiro. Neste caso, a peça em questão foi até aprovada, mas o caminho foi dos mais loucos. Leia e divirta-se.

A GRANDE IDÉIA

“A tarefa até me parecia fácil. Mas naquela manhã, nos primórdios de minha carreira, acordei com a sensação de que seria um daqueles dias do atendimento”.

Apresentar as duas versões do produto em uma peça única era tudo o que eu tinha que fazer. Algo do tipo "com x" e "sem x" desenvolvido com competência pela criação. Sem dúvida era uma grande idéia, mesmo que levemente inspirada na consagrada musiquinha do Big Mac. Sucesso garantido, pensava.

E lá estava eu com o spot-layout de 30 segundos gravado em uma fita cassete em uma das mãos e o gravador toca-fitas na outra, às 18 horas de uma sexta-feira, que pelo menos não era 13, na sala do cliente. Depois daquele papo inicial de praxe - como é que vão os negócios, a política, o time e a família - surgiu uma pergunta de sopetão: - "Já que temos que aprovar agora, não seria uma grande idéia se convidássemos mais alguns colegas para ajudar na análise?" - indagou um dos gerentes.

Após a inclusão de mais dois no time, toquei o som na caixa.

Todos atentos. Um silêncio sepulcral embalado pelo ritmo do comercial. Cada palavra e cada acorde eram acompanhados pelo tamborilar dos dedinhos, o balançar dos pés e o movimento "swingado" da cabeça da maioria. Alguns até de olhinhos fechados, para seguir melhor a métrica; e eu ali, com a certeza de que não passariam mais do que alguns minutos para voltar à agência, vitorioso, com mais uma aprovação tranqüila. Mesmo se somadas as mais de 17 vezes dos pedidos de "play it again, Sam". Ledo engano. - "Já que vamos falar com mulheres, não seria uma grande idéia se chamássemos uma amostra do público-alvo agora para uma pequena pesquisa?" - sugeriu um dos cinco gerentes que estavam lá e que nem era o
responsável pelo produto. Apesar da minha argumentação, foram convocadas oito secretárias da companhia que ainda faziam hora-extra naquela noite. "Play it again, Sam!"

Todas enfileiradinhas, as meninas agora promovidas a donas-de-casa e especialistas em propaganda, prontas para decidirem a próxima etapa da campanha, começaram seus depoimentos.

- "Sou um pouquinho surda de um dos ouvidos" - pontua a primeira -, "mas o que deu para entender foi isso... e blábláblá". Mandou bem.

- "Eu não sou expert em marketing, mas entendi isso, isso e aquilo", disse a segunda. Mandou muito bem.

E assim, uma após a outra, foram desfilando, quase em um conjunto, os mais avançados comentários que eu já havia escutado até o momento na reunião. Falaram da estratégia, das duas versões do produto, da clareza da mensagem, opinaram sobre a mídia... e o melhor, da musiquinha, pra lá de cativante, conferindo à peça uma sonora nota dez. Pronto! Acabado, pensei.

Mas que nada.

- "Já que vamos ouvir este anúncio no rádio, não seria uma grande idéia simulá-lo no meio da programação?" - sapecou a questão mais um dos gerentes convidados.

- "Mas aonde?" - perguntou outro.

- “No meu carro tem toca-fitas" - respondeu prontamente.

- "Brilhante!" - confirmou o colega. A cena era inacreditável: três gerentes atrás, um na frente na direção e eu no banco do passageiro dentro de um carro na garagem vazia da empresa. Fingíamos estar conversando qualquer assunto e distraídos para que eu pudesse tocar o spot entre as músicas da rádio em um movimento surpresa, tal qual havíamos combinado na descida pelo elevador. Bingo!

Voltando para a agência, mais ou menos quatro horas depois, com a peça finalmente aprovada, tive a convicção de que a gente não deve desistir jamais e que a grande idéia mesmo é aquela que resiste a qualquer desafio.

P.S. - O produto vendeu toneladas da versão "com x" e toneladas da versão "sem x".
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Texto publicado na revista Marketing - janeiro 2008

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